segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Surpresas em Lutécia

A sonda Rosetta encontra-se ainda muito longe do seu objectivo primário, o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko. Porém, a sua viagem deu já um imenso contributo à ciência planetária: uma visão sem precedentes de um dos mais antigos objectos do Sistema Solar, o asteróide 21 Lutécia.

Mapa do asteróide 21 Lutécia construído através da combinação das imagens obtidas pela sonda Rosetta a 10 de Julho de 2010. Estão representados mais de 50% da área total do asteróide.
Crédito: ESA 2011 MPS/OSIRIS MPS/UPD/LAM/IAA/RSSD/INTA/UPM/DASP/IDA.

A Rosetta sobrevoou Lutécia a 10 de Julho de 2010, a uma velocidade de 54 mil km.h-1 e a uma distância mínima de 3.170 km. As imagens obtidas durante o encontro revelaram uma superfície moldada por múltiplas colisões, aparentemente não muito diferente da superfície de outros objectos anteriormente visitados na Cintura de Asteróides. No entanto, estudos publicados recentemente sugerem que este objecto com 130 km de comprimento é um planetesimal primitivo, um dos poucos sobreviventes do período de formação planetária.
De acordo com os investigadores, os indícios encontram-se na variedade de estruturas identificadas na superfície de Lutécia pela câmara OSIRIS da sonda Rosetta. Para além das inúmeras crateras, são visíveis nas imagens grandes fracturas e extensas derrocadas, o que sugere uma estrutura interna porosa. Curiosamente, esta visão da estrutura interna de Lutécia não corresponde à sua densidade, 3,4 ± 0,3 g.cm-3, uma das mais elevadas alguma vez medida num asteróide, pelo que Lutécia deverá possuir no seu interior um denso núcleo metálico parcialmente diferenciado.

Derrocadas na superfície de Lutécia possivelmente provocadas pelas vibrações criadas por impactos em outros locais do asteróide. Calcula-se que a superfície de Lutécia esteja coberta por uma camada de rocha pulverizada com pelo menos 1 km de espessura.
Crédito: ESA 2011 MPS/OSIRIS MPS/UPD/LAM/IAA/RSSD/INTA/UPM/DASP/IDA.

Podem ler os trabalhos recentemente publicados sobre este assunto aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

sábado, 29 de outubro de 2011

O estranho caso dos redemoinhos lunares

Os redemoinhos lunares são estranhas formações brilhantes e sinuosas observadas em algumas regiões da superfície da Lua, sem relação aparente com a topografia local. São encontradas tanto nas vastas planícies basálticas dos maria como em regiões montanhosas, em sobreposição a crateras e aos respectivos depósitos de ejecta. As suas formas curvilíneas são, por vezes, acentuadas por estreitas faixas de material escuro contido no interior dos seus padrões brilhantes.
Reiner Gama é o exemplo mais proeminente e mais bem conhecido de um redemoinho lunar. Localizada em Oceanus Procellarum, a norte da cratera Reiner, esta estrutura é definida por uma formação central brilhante e elíptica, com dimensões aproximadas de 30 por 60 km, e com extensões filamentosas para sudoeste e nordeste. A região central contém ainda no seu interior uma faixa de material escuro concêntrico aos seus limites. As suas dimensões tornam este redemoinho lunar facilmente observável através de um telescópio amador, quando a Lua se encontra entre as fases segunda giba e segunda falcada.

Reiner Gama fotografado através de um telescópio amador. Até à chegada das primeiras sondas lunares, esta estrutura era interpretada como uma cratera peculiar.
Esta imagem foi retirada de um mosaico que retrata a Lua a 24 de Junho de 2011, um dia depois da fase quarto minguante (vejam a imagem original aqui).
Crédito: Yuri Goryachko,Mikhail Abgarian e Konstantin Morozov (Astronominsk).

Reiner Gama visto pelas câmaras da Lunar Reconnaissance Orbiter. A - Imagem de contexto obtida pela câmara de ângulo aberto (comprimento aproximado da região ilustrada: 80 quilómetros). B - Pormenor de uma pequena área de Reiner Gama (indicada em A por uma seta branca), ilustrando as transições abruptas entre zonas brilhantes e zonas escuras (comprimento aproximado da imagem: 510 metros).
Crédito: NASA/GSFC/Arizona State University.

Apesar de ser o mais conhecido, Reiner Gama é apenas um entre os muitos redemoinhos lunares identificados na superfície da Lua. As primeiras sondas lunares fotografaram estas estruturas em regiões espalhadas por toda a superfície lunar, e descobriram em todas fortes campos magnéticos localizados. Os mapeamentos do campo magnético lunar realizados pelos sub-satélites das missões Apollo 15 e Apollo 16, e pelas sondas Lunar Prospector e Kaguya, demonstraram, no entanto, que nem todas as anomalias magnéticas contêm redemoinhos facilmente identificáveis.

Mapeamento do campo magnético sobre Reiner Gama, realizado nos anos 90 pela sonda Lunar Prospector.
Crédito: NASA.

Esta aparente relação conduziu alguns cientistas a especular que os redemoinhos resultariam da reduzida exposição destas regiões à acção do vento solar. Neste cenário, a anomalia magnética protegeria a superfície do bombardeamento de partículas do vento solar, suprimindo o normal enegrecimento do solo causado pela exposição ao longo de milhões de anos ao agressivo clima espacial. Os redemoinhos lunares seriam assim sombras dos campos magnéticos invisíveis que pairam sobre estas regiões. Porém, esta hipótese tem sido difícil de aceitar no seio da comunidade científica. O impacto de micrometeoróides também degrada lentamente o solo lunar, transformando-o em material mais escuro, mas não é afectado pela presença de anomalias magnéticas, pelo que os redemoinhos não estariam protegidos deste agente erosivo, e como tal, não manifestariam os contrastes de albedo que exibem.
Recentemente, surgiu uma ideia inovadora que postula a possibilidade das anomalias magnéticas associadas aos redemoinhos poderem gerar campos eléctricos, devido à penetração diferencial de protões e electrões do vento solar no campo magnético. Estes campos eléctricos teriam a capacidade de levitar de forma descriminada poeira feldspática, criando as características faixas mais claras. Este mecanismo não teria, no entanto, capacidade para criar as intensas diferenças de brilho entre os redemoinhos e as regiões envolventes, como se pode observar no caso de Reiner Gama.
Outras hipóteses ignoram a questão das anomalias magnéticas e sugerem que os redemoinhos resultam do impacto de comas cometárias, de fragmentos de núcleos cometários, ou de enxames de pequenos meteoróides com origem em cometas. No entanto, mesmo estas hipóteses tornam-se frágeis quando se verifica que até hoje não foram observadas noutras paragens do Sistema Solar estruturas semelhantes aos redemoinhos lunares, incluindo em Mercúrio, um planeta certamente tão fustigado por cometas como a Lua.
Então, o que se passou nestas regiões?
A chave estará certamente nas anomalias magnéticas. Os cientistas debatem ainda sobre a sua origem, mas muitos aceitam que estas estruturas são remanescentes de um agora extinto campo magnético global, fossilizados em regiões da crusta antipodais a grandes bacias de impacto formadas há mais de 3,1 milhares de milhões de anos. Suportam esta ideia a presença de grandes anomalias magnéticas da face mais distante da Lua, localizadas nos antípodas de Mare Imbrium, Mare Serenitatis, e de outras famosas bacias de impacto do lado mais próximo. A magnetização destas regiões poderá ter ocorrido na presença de um campo magnético amplificado, gerado pela interacção de nuvens de plasma libertadas no lado oposto da Lua durante a formação da bacia de impacto, com o fraco campo magnético ainda presente nessa época. À medida que o campo magnético global foi desaparecendo, as anomalias então criadas foram acumulando os distintos padrões que formam os redemoinhos pela acção de fenómenos ainda não inteiramente compreendidos.

Redemoinhos em Mare Ingenii, uma grande bacia basáltica localizada perto do ponto antipodal de Mare Imbrium. Imagem obtida a 26 de Julho de 1971, pelos astronautas da missão Apollo 15.
Crédito: NASA/The Project Apollo Archive.

Algumas anomalias parecem, no entanto, contrariar este padrão, por não serem antipodais a qualquer bacia de impacto actualmente visível. É este o caso do campo magnético de Reiner Gama, o mais emblemático exemplo de um redemoinho lunar. Este aspecto adensa ainda mais o mistério que envolve estas estruturas, um mistério que provavelmente só será resolvido com a chegada de exploradores humanos a estas regiões.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Quarteto de luas

Não é vulgar a Cassini conseguir reunir várias luas de Saturno numa única imagem, porém, quando tal acontece, o resultado é invariavelmente impressionante. Vejam o caso deste quarteto fotografado no passado mês de Setembro.

Quatro luas de Saturno posaram para esta fotografia obtida pela sonda Cassini a 17 de Setembro de 2011, através de um filtro para a cor azul (451 nm).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/SSI.

O bonito conjunto é dominado pela presença da gigantesca lua Titã (5.150 km de diâmetro), aqui o objecto mais distante. Entre a câmara da Cassini e Titã surgem a brilhante lua Dione (1.123 km de diâmetro), o extremo leste dos anéis A e F, e as pequenas luas Pandora (81 km de diâmetro) e Pã (28 km de diâmetro). Dione exibe aqui a intrincada rede de desfiladeiros que se estende por parte do seu hemisfério líder. Pandora encontra-se à direita do anel F, e Pã é um pequeno ponto brilhante no meio da divisão de Encke, no interior do anel A.
Cliquem na imagem para a poderem apreciar na sua máxima resolução.

domingo, 23 de outubro de 2011

Magníficos arcos magnéticos no Sol

O Sol tem estado relativamente tranquilo nos últimos dias, apesar de serem muitas as manchas solares visíveis na sua face direccionada para a Terra. Ontem, a região activa 1314 quebrou a monotonia com uma fraca mas prolongada erupção classe M1. O fenómeno esteve na origem de uma ejecção de massa coronal que deverá atingir o planeta Marte no próximo dia 26 de Outubro. Durante várias horas, a região exibiu ainda lindíssimos arcos magnéticos, alguns com mais de 146 mil quilómetros de altitude!
Vejam toda a acção neste vídeo obtido pelo Solar Dynamics Observatory.

 
Arcos magnéticos sobre a região 1314 (extremo leste do disco solar), formados após uma prolongada erupção classe M. A erupção esteve ainda na origem de uma ejecção de massa coronal que deverá passar longe da Terra.
Crédito: SDO/NASA/Helioviewer.

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Crescente de Encélado em alta resolução

A sonda Cassini completou anteontem o segundo encontro com Encélado em menos de 3 semanas. Mais uma vez, grande parte das observações centraram-se nos geisers do pólo sul, pelo que a maioria das imagens foram obtidas durante a aproximação à pequena lua pelo seu lado nocturno. Deixo-vos aqui um mosaico que reúne algumas das mais assombrosas (cliquem sobre a imagem para a poderem apreciar na sua máxima resolução).

Encélado visto pela sonda Cassini a 19 de Outubro de 2011. Mosaico construído com cinco imagens obtidas durante a fase de aproximação.
Crédito: NASA/JPL/SSI/mosaico de Sérgio Paulino.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Missão Phobos-Grunt: menos de 3 semanas para o lançamento

Poster oficial da missão Phobos-Grunt.
Crédito: Roscosmos/IKI.

Foi ontem desempacotada no cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, a Phobos-Grunt, a primeira sonda interplanetária russa desde a malograda Mars 96. Com lançamento marcado para o dia 8 de Novembro, a ambiciosa missão terá como objectivo principal a recolha de amostras da superfície da lua marciana Fobos e a sua posterior devolução à Terra. A Phobos-Grunt transportará ainda consigo a pequena sonda chinesa Yinghuo-1 e a cápsula LIFE, uma curiosa experiência biológica concebida pela Sociedade Planetária.
Como antecipação a este grande evento, a agência espacial russa Roscosmos tem estado a publicar gráficos, imagens e vídeos relacionados com a missão. Gostei particularmente desta animação a ilustrar todos os detalhes da missão, desde o seu lançamento até à chegada da cápsula das amostras à superfície terrestre.

Animação ilustrando a viagem da sonda Phobos-Grunt à lua marciana Fobos.
Crédito: Roscosmos/IKI.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Vesta: divulgados primeiros resultados da missão Dawn

A equipa científica da Dawn apresentou anteontem na reunião anual da Sociedade Americana de Geologia alguns dos resultados preliminares dos primeiros dois meses da missão na órbita de Vesta. Como já seria de esperar, foi dado principal protagonismo à grande depressão que domina todo o hemisfério sul do asteróide.
Paul Schenk abriu a conferência com a divulgação das primeiras interpretações científicas das observações realizadas na bacia de impacto do pólo sul de Vesta, agora com a designação oficial de Rheasilvia. Tal como as imagens obtidas pelo telescópio espacial Hubble há mais de uma década faziam adivinhar, a gigantesca depressão encontra-se entre as mais profundas e complexas bacias de impacto conhecidas no Sistema Solar. Através das imagens obtidas pela sonda Dawn, a equipa conseguiu determinar um diâmetro aproximado de 475 km e uma profundidade de 20 a 25 km. O pico central é também um verdadeiro colosso. A base tem cerca de 180 km e o topo eleva-se aproximadamente a 22 km.
Schenk mostrou ainda alguns outros aspectos singulares da geologia de Rheasilvia, mas o mais surpreendente foi sem dúvida a revelação final. A região do pólo sul de Vesta foi esculpida não por um gigantesco impacto, mas sim por dois! Rheasilvia sobrepõe-se a uma outra bacia de impacto mais antiga e ligeiramente mais pequena.

Mapa da região do pólo sul de Vesta mostrando Rheasilvia e uma segunda bacia mais antiga com cerca de 375 km de diâmetro.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ UCLA/MPS/DLR/IDA.

Debra Buczkowski foi a protagonista da uma outra interessante comunicação, desta vez centrada nas invulgares estrias que adornam a região equatorial e parte do hemisfério norte de Vesta. De acordo com as observações realizadas pela Dawn, estas estruturas estão organizadas em dois grupos distintos: um primeiro mais recente, situado junto ao equador; e um segundo mais degradado, situado mais a norte. Buczkowski não se pronunciou acerca dos mecanismos que conduziram à sua formação, mas anunciou a descoberta de uma clara relação do primeiro grupo com Rheasilvia, e do segundo grupo com a bacia de impacto vizinha, mais antiga.

As estrias equatoriais de Vesta. Estas estruturas estendem-se por mais de 240º de longitude e têm cerca de 15 km de diâmetro. A equipa científica da missão Dawn descobriu que são concêntricas ao centro da bacia de impacto Rheasilvia.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ UCLA/MPS/DLR/IDA.

Estrias mais largas e degradadas situadas mais a norte, aparentemente concêntricas à bacia de impacto vizinha de Rheasilvia.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/ UCLA/MPS/DLR/IDA.

Podem assistir à conferência aqui.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

De Victoria a Endeavour: 3 anos nas dunas de Meridiani Planum

Passaram mais de 3 anos desde que o Opportunity abandonou a cratera Victoria em direcção às vertentes ricas em filossilicatos da cratera Endeavour. Foi uma espectacular odisseia de 20 km que o robot da NASA foi registando em imagens obtidas a cada paragem. Esta longa viagem pode ser agora disfrutada num excelente vídeo produzido pela equipa da missão com 309 fotografias centradas no horizonte em direcção a Endeavour. Vejam...

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Inclinação de Urano produto de uma série de colisões?

Sempre foi um mistério a inclinação extrema da rotação de Urano. Quase perpendicular ao plano orbital, o eixo de rotação do gigante gelado é certamente uma relíquia do passado violento do Sistema Solar. Desde cedo, os astrónomos sugeriram que esta característica singular teria sido produto do impacto de um corpo com pelo menos a massa da Terra. No entanto, esta teoria tem um problema. Tal catástrofe deveria ter deixado as órbitas das luas uranianas nas suas inclinações originais, e não, tal como observamos hoje, em órbitas regulares no plano equatorial do planeta.

A extrema inclinação do sistema uraniano reproduzida numa imagem obtida no infravermelho próximo, região do espectro luminoso onde o sistema de anéis é mais proeminente.
Crédito: Lawrence Sromovsky, (Univ. Wisconsin-Madison), Keck Observatory.

Um novo trabalho divulgado ontem na EPSC-DPS Joint Meeting parece trazer uma nova solução para este antigo problema. Através de simulações, uma equipa de cientistas liderada por Alessandro Morbidelli (Observatoire de la Cote d’Azur) testou vários cenários de impacto que pudessem reproduzir a actual inclinação do sistema uraniano. Descobriram que se o Urano tivesse sido atingindo quando ainda se encontrava rodeado por um disco protoplanetário (um disco de material donde posteriormente iria emergir o séquito de pequenas luas), então todo o sistema se reorganizaria na nova inclinação.
O novo modelo seria um sucesso, não fosse a simulação gerar um outro resultado intrigante. Depois da violenta colisão, muitas das luas de Urano passavam a exibir órbitas retrógradas, ou seja, no sentido contrário ao que se observa hoje. Para ultrapassar este impasse, Morbidelli e colegas reviram os seus parâmetros, e para sua surpresa, descobriram que duas ou mais colisões menores diminuíam significativamente a probabilidade da ocorrência de órbitas retrógradas nas luas de Urano.
Estes novos resultados prometem abalar alguns dos principais aspectos da actual teoria da formação dos planetas. Segundo Morbidelli, "a teoria da formação dos planetas actualmente aceite assume que Neptuno, Urano e os núcleos de Júpiter e Saturno foram formados pela acreção de apenas pequenos objectos do disco protoplanetário. Nenhum deveria ter sofrido qualquer colisão gigante. O facto de Urano ter sido atingido pelo menos duas vezes sugere que os grandes impactos foram fenómenos vulgares na formação dos planetas gigantes, pelo que a teoria vigente tem que ser revista."

Oceanos terrestres: confirmada uma origem cometária?

Nos seus primórdios, a região mais interior do Sistema Solar era demasiado quente para que materiais voláteis como a água pudessem condensar, pelo que a sua chegada à jovem Terra deverá ter acontecido numa fase posterior. Durante décadas, os cientistas especularam que o impacto de asteróides e (principalmente) de cometas na superfície terrestre em arrefecimento terá fornecido água suficiente para encher todos os oceanos terrestres. No entanto, esta teoria tinha alguns problemas, sendo o maior o facto da razão deutério/hidrogénio (D/H) nos cometas até então estudados ser duas vezes superior à medida na água da Terra.
Um grupo de investigadores vem agora apresentar novos dados que poderão solucionar este enigma. Fazendo uso do espectrómetro HIFI (Heterodyne Instrument for the Far Infrared) do observatório espacial europeu Herschel, Paul Hartogh e colegas examinaram a cauda do cometa 103P/Hartley 2 (o mesmo visitado em Novembro passado pela missão EPOXI), e descobriram que a água contida no seu núcleo apresenta uma razão D/H semelhante à dos oceanos terrestres!

O cometa 103P/Hartley 2 numa montagem de 5 imagens captadas pela sonda EPOXI a 04 de Novembro de 2010.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/UMD.

Hartley 2 formou-se na cintura de Kuiper, ao contrário dos cometas anteriormente estudados, todos com origem na distante nuvem de Oort. Estes novos dados parecem demonstrar que a formação do Sistema Solar terá sido um processo muito mais complexo do que se pensava anteriormente, e que pelo menos uma parte da população de cometas foram, de facto, os grandes responsáveis pelo aparecimento dos oceanos terrestres. A equipa vai agora analisar as leituras já realizadas com o mesmo espectrómetro no cometa 45P/Honda-Mrkos-Pajdusakova, outro objecto com origem na cintura de Kuiper, de forma a dar mais consistência a este resultado. Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Belas imagens de Encélado e de Dione

A Cassini concluiu no passado Sábado o primeiro dos três encontros com Encélado programados para os meses de Outubro e de Novembro. Neste primeiro encontro, a sonda centrou grande parte da sua atenção nos impressionantes jactos de partículas de gelo e de vapor de água da região do pólo sul, agora imersos da escuridão do longo Inverno meridional. A fase de maior aproximação foi realizada directamente sobre o pólo sul, a uma altitude mínima de 99 km, o que possibilitou a aquisição de leituras in situ da composição do material expelido nesta região. O encontro terminou poucas horas depois com uma série de leituras das temperaturas equatoriais de Encélado durante e depois da sua passagem pela sombra de Saturno, e com algumas fotografias do hemisfério líder.
Pelo caminho, a Cassini obteve ainda duas séries de imagens da lua Dione. A primeira foi realizada antes do encontro com Encélado e cobriu uma boa parte do hemisfério adornado pelos grandes sistemas de desfiladeiros Padua Chasmata e Eurotas Chasmata. A segunda centrou-se no hemisfério oposto e incluiu algumas imagens obtidas com filtros de cor.
Aqui ficam alguns dos registos.

O fino crescente de Encélado numa imagem obtida a 01 de Outubro de 2011, durante a fase de aproximação. É possível vislumbrar os famosos gêiseres enceladianos na região do pólo sul.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

Os gêiseres do pólo sul de Encélado iluminados em todo o seu esplendor numa imagem obtida pela Cassini a pouco mais de 74 mil quilómetros de distância.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

Encélado, os anéis e a pequena lua Epimeteu.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

Região de transição entre terreno antigo coberto por crateras (a leste) e terreno mais recente rasgado por fissuras (a oeste). É possível identificar a estranha cratera Ali Baba a norte.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute.

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Sequência de 15 imagens obtidas num período de 6 horas, mostrando uma pequena parte da rotação de Dione. É possível ver a região dos grandes sistemas de desfiladeiros.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute/animação de Sérgio Paulino.

O hemisfério líder de Dione em cores naturais. Composição construída com imagens obtidas pela sonda Cassini a 02 de Outubro de 2011, através de filtros para as cores azul (460 nm), verde (567 nm) e vermelho (648 nm). Reparem na grande bacia de impacto Evander na região do pólo sul e no proeminente pico central da cratera Aeneas junto ao terminador.
Crédito: NASA/JPL/Space Science Institute/composição a cores de Sérgio Paulino.

terça-feira, 4 de outubro de 2011

O cometa suicida e a ejecção de massa coronal

O SOHO registou no passado Sábado mais uma passagem de um cometa da família Kreutz pela atmosfera solar. Nos derradeiros momentos de vida do fragmento cometário, o Sol libertou uma espectacular ejecção de massa coronal, aparentemente, na direcção oposta ao local do impacto. Estarão os dois fenómenos relacionados?

O coronógrafo LASCO do observatório solar SOHO observou no passado dia 01 de Outubro de 2011 o mergulho fatal de um cometa suicida na atmosfera do Sol, seguido de uma violenta ejecção de massa coronal. A imagem estática do Sol (visível ao centro) foi obtida dias antes e representa o tamanho relativo do disco solar.
Crédito: LASCO/SOHO Consortium/NRL/ESA/NASA/Helioviewer.

Não é a primeira vez que o SOHO capta imagens de ejecções de massa coronal na sequência da desintegração de cometas na atmosfera solar. No entanto, é muito improvável que objectos tão pequenos como os cometas possam interagir de forma tão dramática com o Sol, pelo que a explicação mais simples (e mais provável) é que a ocorrência quase simultânea dos dois fenómenos seja mera coincidência.

sábado, 1 de outubro de 2011

MESSENGER observa surpreendentes evidências de actividade geológica recente em Mercúrio

A equipa científica da missão MESSENGER publicou ontem um conjunto de sete artigos numa secção especial da conceituada revista Science dedicada a Mercúrio. Os trabalhos reúnem análises detalhadas aos mais importantes dados obtidos pela missão durante os primeiros 6 meses na órbita do pequeno planeta, e incluem, entre outros aspectos, a observação de novas evidências da presença de actividade geológica recente na superfície mercuriana.
Num dos artigos, a equipa relata a descoberta de grandes planícies vulcânicas na região do pólo norte de Mercúrio, que se estendem por uma área total superior a 6% da superfície do planeta! De acordo com os autores, as planícies foram formadas por espessos depósitos vulcânicos que cobriram crateras e outros acidentes geológicos, incluindo os locais de erupção. Os depósitos aparentam ser posteriores ao impacto que deu origem à grande bacia de Caloris, o que demonstra que o vulcanismo esteve presente em Mercúrio enquanto processo geológico global, muito depois do "Grande Bombardeamento Tardio".

Ilustração do hemisfério norte de Mercúrio centrada no pólo norte. Estão representadas a vermelho a localização de crateras de impacto com mais de 20 km de diâmetro. As extensas planícies vulcânicas descobertas pelos cientistas da missão encontram-se delimitadas por uma linha preta, e cobrem o correspondente a 4,7 milhões de km2 de superfície. Reparem que o número de crateras no interior das planícies é muito inferior ao das regiões envolventes, o que indica uma formação relativamente recente.
Crédito: Science/AAAS/ Brown University.

Os cientistas estimaram nalguns locais das planícies vulcânicas uma espessura dos depósitos de lava superior a 1 km! Este valor resultou da estimativa da altura das vertentes de crateras fantasma, crateras pré-existentes subterradas pelos depósitos. Podem observar à direita uma estrutura circular com 90 km de diâmetro formada pelo fino contorno de uma dessas crateras. À esquerda encontra-se a cratera Hokusai (114 km de diâmetro) com a sua estrutura conservada, o que permite a medição directa da altura das suas vertentes.
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

Noutro artigo, membros da equipa dão a conhecer um conjunto de curiosas formações que denunciam a presença de processos geológicos anteriormente desconhecidos em Mercúrio. Apelidadas de "cavidades", estas estruturas são depressões com dezenas de metros a alguns quilómetros de diâmetro, vulgarmente encontradas em grupo no interior de várias crateras por todo o planeta. Muitas apresentam interiores cobertos por depósitos muito brilhantes que aparentemente não acumularam pequenas crateras de impacto, o que indicia uma formação muito recente.
Imagens em alta resolução obtidas pela sonda MESSENGER mostram que as "cavidades" encontram-se associadas a rochas formadas em profundidade e expostas na superfície por violentos impactos, o que leva os autores do artigo a associar a sua génese à libertação de compostos voláteis através de diversos processos que poderão incluir vulcanismo piroclástico, sublimação ou violentas erupções gasosas. A estimativa da taxa de crescimento destas estruturas revela ainda outro aspecto surpreendente: muitas "cavidades" poderão estar ainda em actividade, o que sugere a presença de processos geológicos actuais em Mercúrio - uma imagem radicalmente diferente daquela que emergiu das passagens da sonda Mariner 10 pelo planeta nos anos 70.

A bacia de impacto Raditladi e o seu anel concêntrico brilhante (indicado com uma seta na imagem em cores falsas).
Crédito: NASA/Johns Hopkins University Applied Physics Laboratory/Carnegie Institution of Washington.

Imagens de porções do interior da bacia de impacto Raditladi mostrando "cavidades" nas montanhas do anel concêntrico (setas amarelas) e no chão da depressão (setas brancas). Estas estruturas surgem nas imagens com baixa resolução (em cima) como formações brilhantes e relativamente azuladas em comparação com o terreno envolvente.
Crédito: Science/AAAS/NASA.