sexta-feira, 10 de maio de 2013

A estranha anomalia dos 12,5 quilómetros

Eram 03:06 (hora de Lisboa) do dia 11 de Junho de 1985 quando o centro de controlo soviético do programaVega recebeu a confirmação da entrada do módulo de aterragem da sonda Vega 1 na atmosfera de Vénus. Depois de uma rápida desaceleração de uns estonteantes 10,75 km.s-1 para uma velocidade subsónica, o módulo de 750 kg de massa libertou-se do seu último pára-quedas a uma altitude aproximada de 47 km, mergulhando numa queda livre apenas amparada pela esmagadora pressão da atmosfera do planeta.
Subitamente, a cerca de 18 km da superfície, os sistemas vitais da sonda foram atingidos por uma série de sobretensões, acompanhadas de fortes flutuações nos dados de telemetria, e de um enigmático pico nas leituras do espectrómetro de absorção ISAV-S, um instrumento concebido para estudar a composição química das nuvens venusianas. O choque foi de tal forma violento que provocou uma momentânea ascensão do módulo de aterragem a uma velocidade aproximada de 30 metros por segundo! Este inesperado movimento teve como consequência a activação prematura dos instrumentos destinados à recolha e análise de amostras de rocha na superfície do planeta, o que condenou a principal experiência científica da missão a um amargo insucesso.

Réplica do módulo de aterragem das sondas Vega 1 e 2.
Crédito: NASA.

Infelizmente, este enigmático acontecimento não era novidade para os cientistas. As sondas soviéticas Venera 11, 12, 13 e 14 sentiram distúrbios eléctricos semelhantes a altitudes entre os 12 e os 18 km, e as quatro sondas atmosféricas da missão americana Pioneer Venus sofreram igualmente violentas sobretensões a cerca de 12 km de distância da superfície, fenómenos que provocariam avarias fatais em grande parte dos seus instrumentos. Tais falhas inexplicáveis viriam a ser conhecidas por "anomalia dos 12,5 quilómetros".
Qual seria a explicação para tão enigmáticos acontecimentos?
A resposta está, provavelmente, nas imagens de radar da superfície de Vénus, obtidas pelas sondas americanas Pioneer Venus e Magellan. Ambas as missões detectaram estranhos padrões brilhantes em todas as áreas situadas 3,5 quilómetros acima do datum geodésico do planeta (o equivalente ao nível do mar na Terra). No radar, tais reflexos brilhantes correspondem, geralmente, a superfícies irregulares; no entanto, em Vénus, os padrões brilhantes cobrem todo o tipo de elevações, desde as montanhas mais acidentadas até ao mais suave planalto.

Maxwell Montes, a maior montanha de Vénus (cerca de 11 quilómetros acima do raio médio do planeta), numa imagem de radar obtida pela sonda Magellan. São notórios os padrões brilhantes cobrindo as regiões mais elevadas da montanha.
Crédito: NASA/JPL.

Em Vénus, tal como na Terra, as temperaturas diminuem progressivamente com a altitude. Apesar das terras baixas venusianas registarem temperaturas que rondam uns infernais 467º C, os pontos mais elevados do planeta arrefecem consideravelmente, atingindo valores próximos dos 387º C. Tais temperaturas são suficientemente baixas para permitirem a condensação de metais voláteis específicos, vaporizados nas escaldantes planícies situadas mais abaixo, pelo que os cientistas sugerem que as invulgares propriedades reflectivas das terras altas de Vénus poderão ser facilmente explicadas pela ocorrência de nevões de compostos metálicos semi-condutores nestas regiões. Até agora, os candidatos mais prováveis são os sulfuretos de chumbo (Pb) e/ou bismuto (Bi); porém, é possível que se formem outros condensados exóticos contendo elementos como o cobre (Cu), a prata (Ag), o arsénio (As) e o antimónio (Sb). Esta neblina metálica condensaria facilmente sobre as superfícies exteriores das sondas soviéticas e americanas durante a sua passagem pelas camadas inferiores da atmosfera venusiana, pelo que é possível que tenha sido esta a causa dos distúrbios observados entre os 12 e os 18 quilómetros de altitude.
Podem ler mais sobre a bizarra neve metálica de Vénus aqui e aqui.

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