terça-feira, 29 de abril de 2014

Curiosity vê dois asteróides!

Ceres e Vesta vistos pelo robot Curiosity, a 21 de Abril de 2014. As quatro molduras exibem Deimos, Fobos, Júpiter e Saturno - objectos observados na mesma noite.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS/TAMU.

Pela primeira vez, dois asteróides foram fotografados a partir da superfície de Marte. A proeza foi alcançada na semana passada pelo Curiosity, numa sessão de observação do céu nocturno marciano. Os objectos fotografados foram Ceres e Vesta - os dois alvos da missão Dawn na Cintura de Asteróides.

"Esta sessão fez parte de uma experiência para verificar a opacidade da atmosfera durante a noite, no local em Marte onde se encontra o Curiosity", disse Mark Lemmon, membro da equipa responsável pela MastCam. "Nesta região formam-se nuvens de gelo de água e neblinas nesta altura do ano. As duas luas de Marte eram os alvos principais nessa noite, no entanto escolhemos uma hora em que uma das luas estaria no céu perto de Ceres e de Vesta."

Na imagem podemos ver todos os objectos observados nessa noite. Ceres e Vesta aparecem como pequenos traços devido à duração da exposição da fotografia - cerca de 12 segundos. Deimos surge no centro de um recorte circular de uma imagem com uma área correspondente à área aparentemente preenchida pela Lua cheia quando vista da superfície da Terra. A pequena lua marciana aparece no local correcto, mas com uma exposição significativamente inferior - aproximadamente 1/4 de segundo. Os outros três recortes mostram Fobos, Júpiter e Saturno com exposições de apenas meio segundo.

Ceres e Vesta seriam perceptíveis a olho nu, a um observador com visão normal que se encontrasse, na altura, no mesmo local do Curiosity. Os dois objectos brilham, neste momento, nos céus marcianos, com magnitudes aparentes de +5,8 e +4,0, respectivamente. Ambos são visíveis na direcção da constelação de Virgem - curiosamente, na mesma constelação onde, nesta altura, podem ser encontrados nos céus da Terra (relembro que Marte esteve em oposição no início do mês).

domingo, 27 de abril de 2014

Desvendado segredo da estabilidade do sistema planetário de 55 Cancri A

Comparação entre o sistema planetário de 55 Cancri A e o Sistema Solar.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

Os cientistas têm-se debatido para encontrarem um modelo teórico que explique de forma satisfatória a complexidade do sistema planetário que acompanha a estrela binária 55 Cancri. Localizado na direcção da constelação do Caranguejo, a apenas 40,3 (±1,3) anos de distância da Terra, o sistema é composto por uma anã amarela de tipo espectral G8V, orbitada por pelo menos cinco planetas, e uma anã vermelha de tipo espectral M3,5, situada a cerca de 1065 UA de distância da estrela primária. Os três planetas mais interiores encontram-se numa configuração muito compacta, em órbitas muito mais próximas da sua estrela que a de Mercúrio relativamente ao Sol.

A presença de dois planetas gigantes em órbitas tão próximas de 55 Cancri A constituiu um verdadeiro mistério desde que os astrónomos abordaram pela primeira vez o problema em 2002. Situados, respectivamente, a 0,113 e 0,237 UA de distância da sua estrela, os dois planetas massivos 55 Cancri Ab e 55 Cancri Ac (informalmente conhecidos por 55 Cancri b e 55 Cancri c) vivem, aparentemente, no limiar de uma catástrofe. Interacções gravitacionais entre os dois objectos sujeitam as suas órbitas a evoluções dramáticas, que não se conciliam com a estabilidade do sistema a longo termo.

Uma equipa liderada por investigadores da Universidade do Estado da Pennsylvania, nos Estados Unidos, vem agora propor uma solução engenhosa para este problema. Num trabalho publicado na semana passada na revista Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, Benjamin Nelson e colegas apresentam o primeiro modelo viável que explica a configuração deste fascinante sistema planetário.

"O sistema planetário de 55 Cancri é único, tanto na riqueza da diversidade dos seus planetas conhecidos, como no número e variedade das observações astronómicas", disse Eric Ford, investigador da Universidade do Estado da Pennsylvania e co-autor deste trabalho. "A complexidade deste sistema torna as suas observações extraordinariamente difíceis de interpretar."

Para a realização deste trabalho, Nelson e Ford colaboraram com cientistas de computação para desenvolverem uma ferramenta que permitisse a simulação de sistemas planetários usando placas gráficas para acelerar os cálculos. A combinação de múltiplas observações da velocidade radial de 55 Cancri A com o estudo dos trânsitos de 55 Cancri Ae, o mais interior dos planetas deste sistema, permitiu que, pela primeira vez, emergissem das simulações modelos com configurações orbitais estáveis para os cinco planetas, abrangendo períodos mínimos de centenas de milhões de anos.

A análise realizada pelos investigadores possibilitou ainda a confirmação da massa e do raio de 55 Cancri Ae. Dados obtidos neste trabalho revelaram que o planeta mais interior do sistema tem oito vezes a massa da Terra, e o dobro do raio do nosso planeta, o que sugere uma densidade semelhante à da Terra. Com um período orbital de apenas 18 horas e temperaturas na sua superfície superiores a 2100 ºC, 55 Cancri Ae é demasiado quente para ter água em estado líquido.

Representação artística mostrando as dimensões relativas dos planetas Terra e 55 Cancri Ae.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/R. Hurt (SSC).

A determinação das trajectórias dos dois gigantes interiores foi fundamental para os investigadores definirem com precisão as propriedades da órbita de 55 Cancri Ae. "Estes dois planetas gigantes interagem tão fortemente que podemos detectar mudanças na sua órbita", afirmou Benjamin Nelson. "Estas detecções são impressionantes porque permitem-nos aprender coisas acerca das órbitas que normalmente não são observáveis. No entanto, as rápidas interacções entre os planetas também constituem um desafio, pois a modelagem do sistema requer simulações demoradas para cada modelo, para determinar as trajectórias dos planetas e, portanto, a probabilidade de sobrevivência por milhares de milhões de anos sem uma colisão catastrófica."

"A maioria das análises anteriores ignoraram as interacções entre planetas", sublinha Ford. "Alguns dos primeiros estudos incluíram estes efeitos nos seus modelos, mas apenas realizaram análises estatísticas simples, devido ao grande volume de cálculos necessários para uma análise adequada."

A proximidade do sistema planetário de 55 Cancri A possibilitou aos astrónomos a medição directa do raio da sua estrela - uma observação que apenas é possível para alguns dos nossos vizinhos estelares mais próximos. A determinação do raio da estrela permitiu calcular com precisão a sua massa - aproximadamente a mesma do Sol - bem como o tamanho e a densidade do seu companheiro planetário 55 Cancri Ae.

"Como 55 Cancri é muito brilhante e pode ser vista a olho nu, os astrónomos foram capazes de medir a velocidade desta estrela mais de mil vezes em quatro observatórios diferentes, dando aos planetas neste sistema muito mais atenção do que a maioria dos exoplanetas recebem", afirmou Jason Wright, professor assistente da Universidade do Estado da Pennsylvania, e líder de um programa que tem como objectivo examinar este e outros sistemas planetários.

Este novo trabalho faz parte de um esforço maior para desenvolver técnicas que irão ajudar na análise de futuras observações de estrelas próximas e brilhantes. Estas observações terão como objectivo principal a procura de planetas com características semelhantes às da Terra. Para executar esta tarefa, os astrónomos irão usar uma combinação de novos observatórios e novos instrumentos, como o projecto MINERVA ou o HPF (Habitable Zone Planet Finder), um espectrógrafo que irá ser instalado no telescópio Hobby-Eberly, um dos maiores telescópios ópticos do mundo.

"Os astrónomos estão a desenvolver instrumentação topo de gama para os maiores telescópios do mundo detectarem e caracterizarem planetas potencialmente parecidos com a Terra", disse Ford. "Estamos a emparelhar estes esforços com o desenvolvimento de ferramentas computacionais e estatísticas topo de gama."

Podem ler mais pormenores acerca deste trabalho aqui.

sexta-feira, 25 de abril de 2014

Meteoritos com suplemento vitamínico?

A investigadora Karen Smith preparando amostras de meteoritos para análise.
Crédito: NASA/Karen Smith.

Análises laboratoriais realizadas por uma equipa de investigadores americanos sugerem que os meteoritos ricos em carbono poderão ter sido uma fonte importante de vitamina B3 nos primórdios da formação da Terra. Os resultados foram divulgados na semana passada num artigo publicado na revista Geochimica et Cosmochimica Acta, e suportam a teoria que associa a origem da vida na Terra a moléculas orgânicas simples sintetizadas no espaço, e trazidas até ao nosso planeta pelo impacto de asteróides e cometas na sua superfície.

"É sempre difícil dizer até que ponto os meteoritos estão associados à origem da vida", afirmou Karen Smith, investigadora da Universidade do Estado da Pennsylvania, e primeira autora deste trabalho. "Por exemplo, estudos anteriores demonstraram que a vitamina B3 poderia ter sido produzida nos primórdios da Terra por processos não biológicos. No entanto, é possível que uma fonte adicional de vitamina B3 possa ter dado uma ajuda. A vitamina B3, também denominada ácido nicotínico ou niacina, é um percursor do NAD (Nicotinamida-Adenina-Dinucleótido), uma molécula essencial para o metabolismo, provavelmente, com uma origem muito antiga."

Esta não é a primeira vez que a vitamina B3 é detectada em meteoritos. Em 2001, uma equipa liderada por Sandra Pizzarello, da Universidade do Estado do Arizona, nos Estados Unidos, descreveu a presença de vitamina B3 e de outros ácidos piridinocarboxílicos em amostras do meteorito do Lago Tagish.

Neste novo trabalho, Smith e a sua equipa analisaram a distribuição e abundância dos ácidos piridinocarboxílicos em amostras de oito condritos carbonáceos do tipo CM-2 (meteoritos ricos em carbono), e descobriram que a vitamina B3 se encontra presente nestes meteoritos em concentrações entre 0,03 a 0,60 partes por milhão. A equipa de investigadores americanos encontrou ainda concentrações semelhantes de outros ácidos piridinocarboxílicos, e detectou, pela primeira vez, a presença de ácidos piridinodicarboxílicos em rochas espaciais.

"Descobrimos um padrão. Encontrámos menos vitamina B3 (e outros ácidos piridinocarboxílicos) em meteoritos provenientes de asteróides que foram mais alterados por soluções aquosas", disse Smith. "Uma possibilidade é que estas moléculas foram destruídas durante o contacto prolongado com água no estado líquido. Também realizámos experiências laboratoriais preliminares onde simulámos as condições presentes no espaço interestelar. [Estas experiências] mostraram que poderá ser possível a síntese de vitamina B3 e de outros ácidos piridinocarboxílicos em grãos de gelo."

Resíduo de uma experiência laboratorial que simula as condições presentes no espaço interestelar. Nesta amostra foi detectada a presença de vitamina B3 e de outros ácidos piridinocarboxílicos.
Crédito: NASA/Karen Smith.

O espaço interestelar encontra-se preenchido por radiação proveniente de estrelas próximas, de supernovas, ou da matéria devorada pelos buracos negros. De acordo com os cientistas, esta radiação poderá ter fornecido a energia necessária para desencadear reacções químicas na nuvem de gás e poeira a partir da qual se formou o Sistema Solar. Algumas destas reacções poderão ter produzido moléculas biologicamente importantes, como por exemplo, a vitamina B3.

Os asteróides e os cometas são considerados objectos primitivos remanescentes do processo de formação do Sistema Solar. Muitos meteoritos são amostras de asteróides, pelo que, potencialmente, exibem na sua composição moléculas que se encontravam presentes na nuvem primordial.

Porém, nem todos os asteróides se mantiveram inalterados ao longo dos cerca de 4,6 mil milhões de anos de história do Sistema Solar. Muitos sofreram alterações químicas logo após a sua formação. À medida que cresceram, alguns asteróides incorporaram materiais radioactivos em quantidade suficiente para que o calor gerado pelo seu decaimento aquecesse as suas entranhas ao ponto de derreterem o gelo de água presente no seu interior. Esta água líquida alterou consideravelmente a composição de alguns destes objectos, e deixou uma assinatura química e mineralógica que pode ser rastreada pelos cientistas.

Apesar dos meteoritos serem amostras de valor inestimável, raramente são recolhidos logo após a sua queda na superfície da Terra, pelo que ficam vulneráveis a contaminações proveniente da química terrestre ou da actividade biológica. Smith e a sua equipa duvidam que a vitamina B3 encontrada nas suas amostras seja de origem biológica.

Em primeiro lugar, a vitamina B3 foi detectada em simultâneo com os seus isómeros - moléculas com a mesma fórmula química, mas com um diferente arranjo estrutural. Estas moléculas não são usadas nem produzidas pelos seres vivos, pelo que não deveriam estar presentes nos meteoritos se a vitamina B3 resultasse de contaminação biológica.

Em segundo lugar, a abundância de vitamina B3 medida nos meteoritos é inversamente proporcional às alterações produzidas pela água líquida na química e mineralogia dos asteróides de origem. Esta correlação seria muito improvável se a vitamina B3 tivesse origem terrestre.

A equipa planeia realizar experiências adicionais que permitam perceber melhor como a vitamina B3 pode ser produzida em grãos de gelo, em condições semelhantes às presentes no espaço interestelar. "Usámos uma mistura gelada de piridina e dióxido de carbono na experiência inicial", afirmou Smith. "Queremos adicionar gelo de água (o componente dominante dos gelos interestelares) e partir de percursores orgânicos mais simples de vitamina B3 para nos ajudar a verificar a validade do nosso resultado."

Podem encontrar todos os pormenores deste trabalho aqui.

segunda-feira, 21 de abril de 2014

Sonda LADEE finaliza missão com um impacto programado na superfície lunar

Representação artística da LADEE sobrevoando a superfície lunar.
Crédito: NASA Ames/Dana Berry.

A LADEE terminou na madrugada de sexta-feira passada a sua missão de exploração da exosfera lunar, com um impacto programado na superfície da Lua. Sem combustível para manter a sua órbita, a sonda da NASA mergulhou intencionalmente em direcção ao terreno acidentado da Lua, atingindo um ponto nas proximidades da orla oriental da cratera Sundman V, entre as 05:30 e as 6:22 (hora de Lisboa).

"No momento do impacto, a LADEE viajava a uma velocidade de cerca de 5800 quilómetros por hora - aproximadamente três vezes a velocidade de uma bala de espingarda de alta potência", afirmou Rick Elphic, investigador da missão LADEE. "Estes impactos não são nada delicados - a questão é apenas saber se a LADEE criou uma cratera bem definida numa encosta, ou se espalhou destroços numa área mais plana."

No início de Abril, a sonda foi programada para completar uma série de manobras, que baixariam o perilúnio da sua órbita e a colocariam a distâncias da superfície lunar inferiores a 2 quilómetros. Esta nova trajectória permitiu aos cientistas recolher dados científicos com um detalhe sem precedentes.

A última manobra, realizada a 11 de Abril, selou o destino da LADEE, ao colocá-la numa órbita decadente, que asseguraria um impacto no lado mais distante da Lua, no dia 21 de Abril. Esta manobra teve como objectivo garantir a protecção de locais históricos na superfície lunar, como os locais de alunagem das missões Apollo.

À mercê da gravidade e da topografia acidentada da Lua, a LADEE acabou por atingir a superfície lunar cerca de 3 dias antes do previsto. Nos próximos meses, os controladores da missão vão determinar a hora e o local exactos do impacto, para que a sonda Lunar Reconaissance Orbiter possa recolher imagens do local.

sábado, 19 de abril de 2014

Antiga atmosfera marciana sugere um passado demasiado frio e seco em Marte

Dunas no interior da cratera Gale, numa imagem obtida pelo robot Curiosity, a 28 de Janeiro de 2014.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

A atmosfera marciana poderá nunca ter sido suficientemente densa para manter temperaturas na superfície de Marte acima do ponto de congelação por muito tempo. Esta foi a conclusão a que chegou uma equipa de investigadores depois de analisarem os padrões de distribuição das dimensões de pequenas crateras formadas em antigos leitos fluviais, há cerca de 3,6 mil milhões de anos. Os resultados deste trabalho foram publicados esta semana na revista Nature Geoscience.

São inúmeras as evidências de que em tempos remotos a água fluiu na superfície de Marte. Marcas da sua presença incluem vastos depósitos sedimentares no interior de crateras, bem como vales e desfiladeiros aparentemente rasgados por volumosas inundações. Estas observações levaram os cientistas a sugerir que o planeta vermelho, agora frio e seco, foi outrora um lugar quente e húmido. No entanto, para que a água permanecesse líquida na superfície, Marte teria de possuir uma atmosfera muito mais densa que a actual.

O novo estudo aborda esta problemática. Usando imagens e dados topográficos obtidos pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter, a equipa liderada por Edwin Kite, da Universidade de Princeton, nos Estados Unidos, identificou mais de 300 antigas crateras em leitos fluviais localizados na região de Aeolis Dorsa, nas proximidades da cratera Gale, e comparou a distribuição das suas dimensões com modelos computacionais gerados a partir de simulações da queda de objectos na superfície de Marte através de atmosferas com diferentes densidades.

Pequenas crateras exumadas nos leitos fluviais de Aeolis Dorsa. Imagem obtida pela sonda Mars Reconnaissance Orbiter, a 13 de Fevereiro de 2014.
Crédito: NASA/JPL/University of Arizona.

O método usado baseia-se numa ideia proposta pela primeira vez por Carl Sagan, há mais de 20 anos. O princípio é este: a pressão atmosférica de um planeta encontra-se registada na dimensão das crateras mais pequenas. Se Marte teve uma atmosfera mais densa no passado, então as pequenas rochas espaciais não conseguiriam sobreviver intactas à fricção atmosférica, pelo que não formariam crateras na superfície.

Os resultados obtidos sugerem que as crateras estudadas foram formadas quando Marte tinha uma pressão atmosférica na superfície equivalente a 0,9 ± 0.1 bar - um valor 150 vezes superior ao actual, e curiosamente próximo dos valores medidos na Terra ao nível do mar. No entanto, Marte encontra-se muito mais distante do Sol que a Terra, e nessa altura a nossa estrela era muito menos brilhante que agora, pelo que o planeta vermelho necessitaria de albergar uma atmosfera com uma pressão de pelo menos 5 bar para manter temperaturas acima do ponto de congelação da água.

"Este é um excelente artigo", afirmou à Nature James Head, cientista planetário da Universidade de Brown, em Providence, nos Estados Unidos. "Suporta estudos anteriores que sugeriam que Marte era outrora gelado."

Aparentemente, estes resultados contrariam as evidências de água líquida espalhadas pela superfície do planeta. Uma explicação plausível é que Marte teve no passado períodos intermitentes de clima quente. Variações regulares na inclinação do seu eixo de rotação poderiam ter aquecido o planeta temporariamente, permitindo que a água fluísse na superfície por períodos limitados. Outra hipótese é a de que a atmosfera poderia ter sido enriquecida transitoriamente com gases de efeito estufa libertados pela actividade vulcânica ou pelo impacto de asteróides de grandes dimensões na superfície. Qualquer destes cenários garantiriam um clima suficientemente quente para manter massas de água líquida a fluir na superfície por algumas décadas ou séculos.

Podem encontrar mais pormenores acerca deste trabalho aqui.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Terá a Cassini fotografado o nascimento de uma nova lua em Saturno?

Distúrbio na orla do anel A de Saturno, numa imagem obtida pela Cassini a 15 de Abril de 2013.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Space Science Institute.

A Cassini poderá ter documentado, pela primeira vez, a formação de uma pequena lua no interior do sistema de anéis de Saturno. Imagens obtidas pela sonda da NASA, em Abril de 2013, mostram um arco brilhante no limite exterior do anel A, com cerca de 1200 quilómetros de comprimento e 10 quilómetros de largura. O arco é aproximadamente 20% mais brilhante que as estruturas vizinhas, e poderá ser resultante de perturbações gravitacionais produzidas pela presença de um pequeno objecto com centenas de metros de diâmetro junto à orla do anel A. Os detalhes destas observações encontram-se descritos num artigo disponibilizado esta semana no site da revista Icarus.

"Nunca tínhamos visto algo assim antes", afirmou Carl Murray, investigador da Queen Mary University de Londres, em Inglaterra, e primeiro autor deste trabalho. "Poderemos estar a olhar para o acto de nascimento, o momento em que este objecto abandona os anéis e se destaca para se tornar uma lua por direito próprio."

O objecto foi informalmente designado por Peggy (em honra à sogra de Murray), e é demasiado pequeno para ser discernível nas imagens até agora captadas pela Cassini. Peggy não deverá aumentar mais de tamanho, podendo estar mesmo, neste momento, num processo de fragmentação devido a colisões com as partículas dos anéis, ou a tensões gravitacionais geradas pela força de maré.

Até agora foram identificadas 62 luas na órbita de Saturno. O seu tamanho varia consideravelmente, dependendo da distância a que se encontram do planeta - quanto mais distantes do planeta maiores elas são (excluem-se aqui as pequenas luas irregulares). E como muitos destes objectos são compostos maioritariamente por gelo - tal como as partículas dos anéis - os cientistas sugerem que as luas de Saturno coalesceram a partir do mesmo material dos anéis, migrando depois para órbitas mais exteriores. As luas mais antigas foram formadas quando os anéis eram mais massivos, crescendo depois à medida que se foram fundindo com outras luas no caminho.

"A teoria diz que Saturno tinha num passado distante um sistema de anéis muito mais massivo, capaz de gerar luas maiores", disse Murray. "À medida que as luas se formaram próximo da orla, esvaziaram os anéis e evoluíram, pelo que as que se formaram primeiro são as maiores e as mais distantes." As luas mais recentes tendem a ser mais pequenas e a permanecer mais próximas de Saturno. É possível que o processo se tenha esgotado com a formação de Peggy, já que actualmente os anéis não possuem material suficiente para formarem novos objectos.

"Testemunhar o possível nascimento de uma pequena lua é um evento emocionante e inesperado", disse Linda Spilker, investigadora da missão Cassini. De acordo com Spilker, a órbita da Cassini deslocar-se-á para as proximidades do anel A no final de 2016, o que irá providenciar uma excelente oportunidade para estudar e, talvez, fotografar este curioso objecto. Os resultados destas observações poderão fornecer novas pistas acerca de como a Terra e os outros planetas do Sistema Solar se formaram e migraram para longe do Sol.

Podem encontrar todos os pormenores deste trabalho aqui.

terça-feira, 15 de abril de 2014

Descobertas novas evidências de um antigo lago na cratera Gusev

O afloramento rochoso Comanche visto pelo robot Spirit a 29 de Dezembro de 2005 (sol 695 da missão).
Crédito: NASA/JPL-Caltech/Cornell University/Arizona State University.

A cratera Gusev tem sido considerada como um dos locais mais promissores para encontrar vestígios de antigas massas de água líquida na superfície de Marte. Dados recolhidos in situ pelo robot Spirit deixaram, porém, os cientistas perplexos ao revelarem uma paisagem inteiramente moldada por fenómenos vulcânicos. Um estudo publicado na semana passada na revista Geology vem agora expor um novo conjunto de evidências que apontam para a existência de um lago temporário no interior da cratera Gusev, há cerca de 3,7 mil milhões de anos.

Gusev é uma cratera peculiar. Vista da órbita marciana, esta depressão com cerca de 166 quilómetros de diâmetro aparenta exibir marcas incontestáveis da presença de uma antiga massa de água líquida no seu interior. A sua orla meridional encontra-se interrompida por um profundo vale tributário, que parte de um grupo de crateras localizadas cerca de 700 quilómetros a sul, e se extingue a jusante sob a forma do que aparenta ser um antigo delta.

Perspectiva sobre a cratera Gusev numa imagem gerada a partir de dados topográficos obtidos pela sonda Mars Global Surveyor. Para sul podemos ver Ma'adim Vallis, o longo vale tributário que irrompe pela orla meridional da cratera Gusev. A norte encontra-se Apollinaris Mons, um antigo vulcão-escudo com cerca de 5 quilómetros de altura.
Crédito: NASA / JPL-Caltech / USGS / MOLA Science Team.

Estas particularidades fizeram com que Gusev fosse um dos dois alvos escolhidos para a missão Mars Exploration Rover. No entanto, quando em 2004 o Spirit iniciou a exploração do interior da cratera, os cientistas depararam-se com uma surpresa. Em vez dos esperados depósitos lacustres, o robot da NASA encontrou uma superfície repleta de rochas vulcânicas.

O cenário mudou quando o Spirit alcançou o topo das colinas de Columbia, cerca de 3,2 quilómetros a leste. Com aproximadamente 90 metros de altitude, estas antigas colinas contêm rochas alteradas pela água. No entanto, entre estas rochas não se encontravam quaisquer vestígios de sedimentos formados no leito de um lago. Em vez disso, o Spirit deparou-se com evidências de antigas fontes hidrotermais - o tipo de vulcanismo encontrado em locais como Yellowstone, nos Estados Unidos.

Entre as rochas analisadas nas colinas de Columbia encontrava-se Comanche, um afloramento rochoso invulgarmente rico em carbonatos de magnésio-ferro. Quando estes minerais foram detectados em 2010, os cientistas atribuíram a sua presença à actividade hidrotermal. Agora, um novo olhar sobre os mesmos dados sugere uma origem diferente.

Mapa mostrando o percurso do robot Spirit no interior da cratera Gusev.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/UA/Cornell/NM Museum of Natural History and Science.

"Olhámos com maior minúcia para a composição e configuração geológica de Comanche e de outros afloramentos próximos", afirmou Steve Ruff, investigador da Universidade do Estado do Arizona, e primeiro autor deste trabalho. "Existem fortes evidências de que foram águas frias da superfície a introduzir os carbonatos em Comanche, em vez de águas quentes provenientes do subsolo."

No início, Comanche era formado pelos depósitos de piroclasto que originalmente cobriam as colinas de Columbia e as planícies adjacentes. Este material, conhecido por tephra, foi cuspido por erupções explosivas ocorridas no interior ou nas proximidades da cratera Gusev.

Algum tempo depois, inundações catastróficas abriram caminho pela orla meridional de Gusev, formando um lago temporário que submergiu os depósitos vulcânicos. O lago manteve-se tempo suficiente para alterar quimicamente o tephra, e transformar-se gradualmente numa solução saturada de minerais. Com a evaporação da água ficaram para trás resíduos de carbonato, que se foram infiltrando em Comanche e noutras rochas próximas sempre que o lago enchia e secava.

"O lago não tinha que ser grande", disse Ruff. "As colinas de Columbia elevam-se a cerca de 90 metros, mas encontram-se na região mais baixa da cratera Gusev, pelo que não era necessário o lago cobrir toda a área da cratera."

Panorama sobre as planícies no interior da cratera Gusev. Imagem obtida do topo das colinas de Columbia pelo robot Spirit, a 27 de Setembro de 2005 (sol 617 da missão).
Crédito: NASA/JPL/Cornell.

Hoje, as colinas de Columbia erguem-se como ilhas de terreno antigo rodeadas por fluxos de lava mais recentes. "Comanche e o afloramento rochoso vizinho, conhecido por Algonquin, são remanescentes de antigos depósitos de tephra muito mais abrangentes", afirmou Ruff. "Os ventos erodiram a maior parte desses depósitos, arrastando consigo grande parte das evidências do antigo lago."

Esta nova interpretação carece, no entanto, de mais dados - algo que, infelizmente, o Spirit não poderá fornecer. O robot da NASA não comunica com a Terra desde Março de 2010, pelo que a exploração de Gusev dependerá de uma nova missão.

"O regresso a Gusev iria dar-nos uma oportunidade para uma segunda sessão de campo", afirmou Ruff. "Depois da primeira sessão com o Spirit ficámos com mais questões, e com uma hipótese que pode ser testada ao regressarmos."

Em 2020, o planeta vermelho receberá um novo robot com capacidade para recolher amostras na superfície e enviá-las para a Terra. De acordo com Ruff, a cratera Gusev seria um alvo prioritário para esta nova missão da NASA. "Faz sentido cientifica e operacionalmente regressar a um local que já sabemos que tem materiais geologicamente diversos - e astrobiologicamente interessantes - para recolher", argumentou Ruff. "E sabemos exactamente onde os podemos encontrar."

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

domingo, 13 de abril de 2014

Inundações catastróficas em Osuga Valles

Osuga Valles numa imagem obtida pela sonda europeia Mars Express, a 07 de Dezembro de 2013.
Crédito: ESA/DLR/FU Berlin.

Osuga Valles é um sistema de estreitos desfiladeiros localizado num pequeno planalto, junto ao extremo sudeste de Valles Marineris. Com um total de 164 quilómetros de comprimento, Osuga Valles parte de uma região de terreno caótico situado a oeste de Eos Chaos, e desemboca a nordeste, numa depressão com cerca de 2,5 quilómetros de profundidade. Na imagem de cima podemos contemplar parte dessa profunda depressão.

Perspectiva sobre a secção central de Osuga Valles. Em alguns locais, o sistema de vales atinge 20 quilómetros de diâmetro e cerca de 900 metros de profundidade.
Crédito: ESA/DLR/FU Berlin.

Osuga Valles foi moldado por diversas inundações catastróficas, ocorridas numa época remota da história de Marte. Evidências dessas múltiplas inundações encontram-se nas diferenças de elevação entre os principais vales e na presença de canais entrecruzados no interior das ilhas esculpidas no centro do sistema.

Sulcos paralelos no leito dos vales sugerem que a água fluiu pelo sistema a grande velocidade. As violentas torrentes tiveram, provavelmente, caudal suficiente para desaguarem dentro da profunda depressão localizada a jusante, no entanto, os cientistas não sabem ainda se a água drenou para o interior do subsolo, ou se formou na superfície um lago temporário.

domingo, 6 de abril de 2014

Cassini confirma a presença de um oceano subsuperficial em Encélado

Diagrama ilustrando o interior da lua Encélado.
Crédito: NASA/JPL-Caltech.

A Cassini encontrou novas evidências de que Encélado, uma pequena lua de Saturno, encerra no seu interior um grande oceano de água líquida. Os investigadores da missão tinham já lançado a hipótese de que os jactos de vapor de água e partículas de gelo observados pela primeira vez em 2005, na região do pólo sul, tinham origem num vasto reservatório subsuperficial de água. Dados obtidos entre 2010 e 2012 vêm agora providenciar as primeiras medições geofísicas do interior de Encélado. As novas medições são consistentes com a presença de um oceano com cerca de 10 quilómetros de profundidade, separado da superfície por uma espessa camada de gelo com 30 a 40 quilómetros de espessura.

Podem ler mais sobre esta nova descoberta aqui.

sábado, 5 de abril de 2014

Descobertos dois novos potenciais planetas anões na Cintura de Kuiper

Representação artística de um objecto da Cintura de Kuiper.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/T. Pyle (SSC).

Na semana passada, os astrónomos Scott Sheppard e Chadwick Trujillo anunciaram a descoberta de 2012 VP113, um potencial planeta anão numa órbita longínqua situada no limite interior da nuvem de Oort. Poucos dias depois, a mesma equipa deu a conhecer dois novos corpos ainda maiores, em órbitas exteriores à órbita de Neptuno, elevando assim para três o número de potenciais planetas anões recentemente identificados nas regiões mais remotas do Sistema Solar.

Os dois novos objectos receberam as designações provisórias de 2013 FY27 e 2013 FZ27, e foram identificados em imagens obtidas pela nova Câmara de Energia Escura (DECam) do Observatório Inter-Americano de Cerro Tololo, no Chile, a mesma câmara que permitiu a descoberta de 2012 VP113. 2013 FZ27 encontra-se, neste momento, a cerca de 50 UA de distância do Sol, e tem aproximadamente 600 quilómetros de diâmetro, pelo que é certamente massivo o suficiente para assumir uma forma esférica sob a influência da sua própria gravidade - um dos critérios de definição dos planetas anões. 2013 FY27 tem um diâmetro aproximado de 1000 quilómetros, e foi descoberto a cerca de 80 UA de distância do Sol. Os dois objectos são membros do disco disperso, com períodos orbitais muito próximos de ressonâncias 2:5 e 1:3 com Neptuno, respectivamente.

A descoberta destes três objectos em locais tão remotos do Sistema Solar só foi possível devido à extrema sensibilidade da DECam. Desenhada para detectar a luz fraca de milhões de galáxias distantes, a DECam tem como missão principal desvendar a natureza da energia negra - a misteriosa força responsável pela contínua aceleração da expansão do Universo. Em actividade desde Setembro de 2012, a câmara reuniu já centenas de gigabytes de dados, que estão a ser escrutinados por Sheppard e Trujillo na busca de objectos de brilho muito débil em órbitas situadas nos confins do Sistema Solar.

"É por isso que estamos a encontrar muitos destes objectos, ainda que tenham um brilho fraco", disse à New Scientist Scott Sheppard. "Esperamos ter no futuro muito mais descobertas."