sexta-feira, 10 de abril de 2015

Descobertas moléculas orgânicas complexas num disco protoplanetário

Representação artística do disco protoplanetário que rodeia a jovem estrela MWC 480.
Crédito: B. Saxton (NRAO/AUI/NSF).

Astrónomos detetaram pela primeira vez a presença de moléculas orgânicas complexas num disco protoplanetário. A descoberta foi divulgada ontem num artigo publicado na revista Nature e confirma que os percursores químicos dos blocos constituintes da vida fazem parte dos ingredientes presentes no processo de formação dos sistemas planetários.

Usando o Atacama Large Millimeter/submillimeter Array (ALMA), a equipa liderada por Karin Öberg, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian, nos Estados Unidos, detetou as assinaturas espetrais de moléculas de acetonitrilo (CH3CN), cianoacetileno (HC3N) e de ácido cianídrico (HCN) no disco de gás e poeira que rodeia a estrela MWC 480, uma estrela Herbig Ae, com apenas 1 milhão de anos, situada a 455 anos-luz de distância da Terra. As moléculas foram observadas numa zona do disco localizada entre 4,5 a 15,0 mil milhões de quilómetros de distância da estrela, numa região que os astrónomos pensam ser análoga à Cintura de Kuiper, um dos dois principais reservatórios de cometas do Sistema Solar.

Os cometas são objetos muitos antigos que retêm um registo quase inalterado da composição química da nebulosa solar, a estrutura primordial a partir da qual emergiram os planetas do Sistema Solar. Pensa-se que os cometas e os asteroides semearam a jovem Terra com grandes quantidades de água e compostos orgânicos, o que terá ajudado a preparar o terreno para o desenvolvimento das primeiras formas de vida terrestre.

"O estudo de cometas e asteroides mostra que a nebulosa solar, que deu origem ao Sol e aos planetas, era rica em água e compostos orgânicos complexos", disse Öberg. "Temos agora evidências de que esta mesma química existe noutros locais do Universo, em regiões que podem [eventualmente] formar sistemas planetários semelhantes ao nosso." Isto é particularmente intrigante, acrescenta Öberg, uma vez que as moléculas encontradas na estrela MWC 480 surgem em concentrações semelhantes às dos cometas do Sistema Solar.

O céu em torno de MWC 480, uma jovem estrela situada na constelação do Touro. A imagem foi criada a partir de dados do Digitized Sky Survey 2.
Crédito: ESO/Digitized Sky Survey 2.

Os astrónomos sabem desde há algum tempo que as nuvens interestelares são fábricas muito eficientes na formação de moléculas orgânicas complexas, incluindo de um grupo de compostos conhecidos por cianetos. Estas moléculas, e mais particularmente o acetonitrilo, são de grande interesse porque contêm ligações carbono-azoto, as quais são essenciais à formação dos aminoácidos - a base das proteínas e os blocos constituintes da vida tal como a conhecemos.

No entanto, até agora, não era claro se estas moléculas se formariam com facilidade e se sobreviveriam ao ambiente energético de um sistema planetário em formação, onde choques e radiação podem facilmente quebrar as ligações químicas. Tirando o máximo partido da sensibilidade do ALMA, os astrónomos puderam verificar que estas moléculas não só sobrevivem como também prosperam nestes ambientes verdadeiramente inóspitos.

Um aspeto significativo é que as moléculas detetadas pelo ALMA são muito mais abundantes do que as descobertas em nuvens interestelares. Este facto diz-nos que os discos protoplanetários são extremamente eficientes na criação de moléculas orgânicas complexas, e que as conseguem formar em escalas de tempo relativamente curtas.

Os compostos descobertos no disco protoplanetário de MWC 480 irão certamente sofrer destinos muito distintos. Uma parte irá colidir com a estrela, enquanto que outra será ejetada para o espaço interestelar. No entanto, o restante permanecerá disponível para o processo de formação dos planetas, asteroides e cometas. Uma pequena parte destas moléculas será transportada a bordo dos cometas até aos corpos rochosos em formação na zona habitável da estrela, reproduzindo o mesmo mecanismo que abriu as portas ao desenvolvimento da vida na Terra, há milhares de milhões de anos.

"Sabemos a partir do estudo dos exoplanetas que o Sistema Solar não é o único a possuir planetas telúricos e uma abundância de água", conclui Öberg. "[Com este estudo] sabemos agora que não somos únicos em termos de química orgânica. Aprendemos uma vez mais que não somos especiais. Do ponto de vista da vida no Universo, isto são excelentes notícias."

Podem encontrar todos os detalhes deste trabalho aqui.

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