sábado, 18 de abril de 2015

Descobertas primeiras evidências de água líquida na superfície de Marte

A pequena estação meteorológica REMS no "pescoço" do robot Curiosity. Imagem obtida pela câmara MAHLI, a 14 de janeiro de 2015.
Crédito: NASA/JPL-Caltech/MSSS.

Dados obtidos pelo robot Curiosity sugerem que as camadas superficiais de solo marciano poderão albergar temporariamente pequenas quantidades de água líquida saturada com sais de perclorato (ClO4-). Os resultados foram divulgados esta semana num artigo publicado na revista Nature Geoscience e representam as primeiras evidências diretas da presença de um mecanismo de formação de fluídos saturados atualmente em atividade na superfície do planeta vermelho.

Os percloratos são minerais com a capacidade de absorverem humidade a partir da atmosfera e de reduzirem significativamente o ponto de congelação da água. A sua presença no solo marciano tinha sido já confirmada pelo Curiosity e pela sonda Phoenix, pelo que os cientistas suspeitavam que estes compostos pudessem estar envolvidos na formação de soluções aquosas saturadas nas latitudes mais elevadas do planeta. O novo trabalho baseia-se nas medições contínuas de temperatura e humidade atmosféricas, realizadas pela estação meteorológica REMS (Rover Environmental Monitoring Station), que segue a bordo do robot Curiosity, durante pouco mais de um ano marciano, e revela a presença de condições favoráveis à formação destes fluídos em latitudes muito mais próximas do equador. Estas condições são transitórias, ocorrendo apenas em algumas noites do ano.

"A água líquida é um requisito para a vida tal como a conhecemos, e um alvo para as missões de exploração de Marte", explica Javier Martin-Torres, investigador do Instituto Andaluz de Ciências da Terra, em Espanha, e da Universidade de Tecnologia de Luleå, na Suécia, e primeiro autor deste trabalho. "As condições perto da superfície de Marte são atualmente pouco favoráveis para a vida microbiana como a conhecemos. No entanto, a possibilidade [da presença] de soluções líquidas hipersalinas em Marte tem implicações mais amplas para a habitabilidade e para os processos geológicos relacionados com a água."

A missão Curiosity foi a primeira a medir continuamente a humidade relativa e as temperaturas atmosféricas junto à superfície de Marte, ao longo de mais de um ano marciano. A humidade relativa depende da temperatura atmosférica do ar e da quantidade de vapor de água presente na atmosfera. Apesar da cratera Gale se encontrar numa das regiões mais quentes e secas do planeta, o robot da NASA detetou valores de humidade relativa entre os 5% nas tardes de verão e os 100% nas noites frias de outono e de inverno.

Um hipotético ciclo da água em Marte, baseado nas observações realizadas pelo robot Curiosity.
Crédito: Javier Martín-Torres e María-Paz Zorzano.

Poros no solo marciano interagem com a atmosfera logo acima da superfície, pelo que, quando a humidade relativa atinge valores críticos, os percloratos absorvem moléculas de água suficientes para se dissolverem e formarem um fluído hipersalino. Este processo denomina-se deliquescência, e foi já documentado em ambientes frios e áridos na superfície da Terra, como, por exemplo, os vales secos de McMurdo, na Antártida. Alguns destes locais exibem estruturas semelhantes às linhas de declive recorrentes - formações observadas em encostas de crateras e montanhas na superfície de Marte, que se pensa serem criadas pelo fluxo temporário de soluções hipersalinas, durante as estações mais quentes do ano marciano.

"Descobrimos perclorato de cálcio no solo e, nas condições ideais, este composto absorve vapor de água da atmosfera", afirmou Morten Bo Madsen, professor do Instituto Niels Bohr da Universidade de Copenhaga, na Dinamarca, e um dos coautores deste trabalho. "As nossas medições mostram que estas condições existem durante a noite e logo após o nascer do Sol, no inverno. (...) Quando a noite cai, uma parte do vapor de água da atmosfera condensa sob a forma de geada na superfície do planeta. Contudo, o perclorato de cálcio é muito absorvente e forma com a água uma solução aquosa hipersalina, o que faz com que o ponto de congelação baixe, e a geada acabe por se transformar em líquido. O solo é poroso, por isso o que estamos a ver é que a água escoa através do solo. Ao longo do tempo, poderão ser também dissolvidos outros sais, pelo que, nessa altura, [estes compostos] podem mover-se e precipitar noutros locais do subsolo."

Estes resultados sugerem que as soluções aquosas hipersalinas poderão ser muito mais persistentes nas latitudes mais elevadas do planetas - regiões significativamente mais frias e húmidas. A presença de elevadas concentrações de percloratos e a sua temperatura próxima dos -70 ºC tornam, contudo, estes fluídos demasiado inóspitos para a vida tal como a conhecemos.

Podem ler mais sobre este trabalho aqui.

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